Há tempos, A. iniciou neste blogue – atingindo, julgo, bastante sucesso–, uma rubrica (leia-se rubrica, por favor, e não rúbrica, como pretendem os amanuenses deste mundo) sob o mote «Sou [qualquer coisa] … do caralho» (vejam aqui). Este post pretende, dentro das limitações de quem o escreve, inscrever-se nessa tradição.
§ Os factos
Há dois meses adquiri, em total liberdade de consciência e num ato de auto-determinação, um destes fascinantes recipientes da Brita.
Este objeto facinava-me há bastante tempo: pela sua elegância, pela robustez assegurada pela manufatura de origem prussiana; por último, pelo seu inalcançável potencial economizador. Foi assim que, sem prestar grande atenção, me fidelizei, em apenas um mês, aos prodígios da tecnologia maxtra 2. Na semana passada – ou seja, dois meses após a aquisição do filtro Brita, o que corresponde ao normal período de utilização de duas recargas como esta
Segundo as instruções no verso da caixa, estes seis filtros permitir-me-ão – dentro dos parâmetros normais de peso da água e frequência de utilização –, consumir água melhor nos próximos seis meses. A bem da verdade convém-me notar que este último evento aquisitivo, mais do que um ato de pura liberdade consumista, foi fortemente impulsionado pelo desconto de 25% que o pacote de 6 recargas sofria no momento em que a compra ocorreu. Contudo, parece-me que não são condições suficientes desculpar a minha conduta e me apresentar como vítima da alienação capitalista, dado que o preço com desconto do bem em questão foi ainda assim 20 libras esterlinas.
§ Os benefícios
Para quem não esteja a par, o objetivo deste fabuloso aparelho é obter água puríssima a partir da habitual pesada e ferrugenta que é assegurada pelos serviços locais de abastecimento de água. Assim é. Segundo MEC, a água filtrada pela Brita permite produzir um gelo de textura e sabor incomparáveis que terão o poder de potenciar, não apenas a regular coca-cola com gelo e limão, mas também o, infelizmente apenas ocasional, bourbon whisky.
§ Os prejuízos
O meu bom nome e o justo e sonoro adjetivo de pipi que, suspeito, à semelhança de outros que tenho vindo a coleccionar nesta vida, me acompanharão até à cova.
§ As agravantes
A minha santa Mãe, de quem suspeito ter herdado a inclinição para me preocupar com pormenores desinteressantes de economia caseira – sem dúvida uma característica das suas origens germano-eslavas –, não detém (ainda?!) um objeto igual, fornecendo-se, pelo menos até setembro deste ano, de água e cubos de gelo de superior qualidade através dos produtos da água do Luso. Estou convicto que ela está a incorrer num erro grave de economia caseira. Notar isto significa que, não somente interiorizei todos os seus comandos de gestão doméstica, como, trabalhando demoradamente sobre os princípios que regem esta ciência, ultrapassei, pelo menos neste episódio, o meu grande mentor.
§ As atenuantes
Acabo de endossar aos meus inimigos, mas sobretudo aos meus amigos, um poderoso pretexto para chacota. Assim, esta vergonhosa inconfidência adquire o brilho de um ato de generosidade. Felizmente, estou convencido que a amizade deve pressupor uma boa dose de ocasional mésidance e a liberdade para que esta se manifeste sempre que as circunstâncias o justifiquem. Emprego este termo como o fazem os habitantes do kibutz, ou seja, enquanto capacidade crítica, e suplementada por uma rasgada ironia, de alertar outrem de que está a levar uma vida imoral ou, mais importante ainda, que está espalhar-se na mais atroz das ridicularias. Assim seja.
D.