Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Sou um hippie do caralho

Segundo Platão, nos ensinamento de Diotima de Mantinéia, Eros era um demónio, uma entidade entre o humano e o divino, nascido da união entre o engenho (Poros, por sua vez filho de Matiz, sabedoria, inteligência prática) e a pobreza (Penia). Longe de ser um deus todo poderoso era uma força perpetuamente descontente e irrequieta. De entre todas as divindades clássicas é aquela cuja personalidade mais evoluiu entre as mais antigas teogonias e a altura do império romano. Curioso mas natural que a síntese do conceito amor seja tão idiossincrática à cultura e tão volátil ao ponto de Cicero no seu tratado A Natureza dos Deuses falar de três Eros distintos mas simultâneos - Eros filho de Hermes e Afrodite, Anteros (amor recíproco) filho de Ares e Afrodite e Eros alado, filho de Hermes e Artemis. As suas únicas ocupações sérias eram perturbar o coração humano e jogar aos dados com Ganimedes, um pastor por quem Zeus se apaixonou e que era considerado o mais belo dos mortais. Esse desgraçado foi raptado por Zeus ou por Zeus disfarçado de águia ou por Eos do monte Ida e levado para o Olimpo. O pai do rapaz foi compensado ou por um par de cavalos divinos muito bons ou por uma vinha de ouro. A própria águia tornou-se uma constelação. E o rapaz? Bom, o rapaz passou o resto da eternidade como garçon, servindo ora ambrósia ora néctar ora hidromel ao senhor Zeus.

Mais vale ter amor que ser amado.

(Estava com saudades do D.)

A.