Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Novos significados para o azul

Quando começámos este blogue foi preciso organizá-lo em torno de um título e um Leitmotiv. A intenção foi sempre a de evitar que, qualquer que fosse essa escolha, esta não limitasse a escrita dos autores fosse sobre que tema fosse. A escolha de uma cor (mas a mais nobre de todas) obedeceu à ideia que o melhor motor da escrita seria um ponto de partida para novas interrogações e sucessivas investigações.

Ao longo do tempo em que fui escrevendo no blogue, o que mais me surpreendeu foi a quantidade de referências a esta cor. (Os muitos que antecedem o presente post confirmam-no). E, digamos em abono dessa escolha, que as referências são invariavelmente certeiras, e que todas elas acrescentam mais um predicado ao conceito inesgotável do azul.

Ainda esta manhã lembrei-me que tinha lido algures que um dos meus poetas favoritos, o brasileiro António Cícero, publicara uma nova colectânea de poemas recentemente. A pesquisa resultou na descoberta de um poema do novo livro, Porventura, onde por graça o azul do mar é o foco central do poema.

Na praia - parece que foi ontem -
ficávamos dentro d'água eu,
Roberto, Ibinho, Roberto Fontes
e Vinícius, a água era um céu,
e voávamos nas ondas trans-
parentes, deslizantes, do azul
mais profundo do fundo ciã
do oceano Atlântico do sul.
Mas era outro século: Roberto
morreu, morreu Vinícius, Roberto
Fontes quase nunca vejo, e Ibinho
casou e mudou. Já não procuro
o azul. Os mares em que mergulho
são os homéricos, cor de vinho.

A frase "já não busco azul" será, portanto, o epílogo perfeito deste blogue. O seu fim está porém ainda distante e não será o final da minha estadia em Bristol que o precipitará.

A segunda referência à cor azul vem da tradução para língua inglesa do filme-sensação deste ano, La Vie d'Adèle: Chapitres 1 et 2, que se lê Blue is the Warmest Colour. A visão do trailer abaixo permite antecipar uma experiência prenhe de novas revelações sobre o modo azul. Esta fita estreia na semana que vem no Watershed, de maneira que poderei voltar ainda ao azul de Abdel Kechiche a breve trecho.




D.

p.s. -  A. julgo que Porventura não está ainda disponível nas livrarias portuguesas, de modo que se tiveres a simpatia de enviar-me uma cópia, ficar-te-ei extremamente agradecido.