Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Missiva

Caro A., saudosas aulas de alemão (e dos lanches que as antecediam) nos Mártires da Pátria!

Tu o meu educador, ora, ora... que eu me lembre fui eu que cunhei essa expressão, quando T. se mudou para Alvalade, uma estadia cuja brevidade não antecipávamos. Na primeira tarde que passámos juntos, eu abeirei-me do seu ouvido e susurrei, com toda a seriedade desses tempos: Tens noção da dimensão do que vais aprender? Ele fitou-me, mudo e desconcertado, e eu acrescentei, gravemente: Chegou o momento da tua educação, T. Isto foi em 2006, caro A., quando o teu próprio tirocínio ainda estava por concluir.  

Noutra nota, parto hoje de madrugada para a Cornualha. A primeira paragem é Tintagel, recomendação tua. O centro das nossas investigações será Penzance. Que um bom vento nos acompanhe! Entretanto, por aqui o dia já cresce e nós iniciamos os preparativos da partida. Deixo-te com a minha tentativa de tradução livre, directa do alemão, como não podia deixar de ser (esboço um sorriso).

Porque ainda me despertas, aragem primaveril,
agora que o meu tempo se esvaece? 

D.