As horas longas de que era feita essa espera, passava-as na aplicação disciplinada de uma enorme concentração interior na tarefa de reconstruir a imagem da próxima onda por meio da memória da anterior. Em tempos de baixa ondulação, duvidava da necessidade apodítica da sua visão interior e considerava desistir ante a evidência da dissociação desta com as forças indiferentes que governam o sistema das marés. Ocasionalmente remava rumo a outras coordenadas geográficas, desanimado com a fraca elevação do vento e a companhia ruidosa das gaivotas, ou como meio de combater a crescente lassidão dos músculos.
Nessas horas longas e exigentes em que esperava, sucedia que, por vezes, um uivo distante do vento se ouvia, ao qual, em ocasiões fortuitas, se seguia um outro som, mais baixo, cavo e demorado, que anunciava a chegada da onda. Nesse momento, sabia-o, era necessário reunir todo o esforço acumulado de preparação para a apanhar e lograr cavalgá-la. Cada onda era de certo modo única e, da experiência das anteriores, sobejava apenas o vício aventureiro de conhecer as restantes. Cada nova onda apresentava o mesmo desafio existencial: uma desumana capacidade de transformação. Donde a importância de abordar a tarefa na mais deserta solidão, sem que constrangimentos de época e lugar travassem as forças da metamorfose. O som e a fúria ainda distante da onda produziam imagens velozes na sua mente.
Com os braços apontados avante e as mãos fechadas em concha, percutia com vigor a água, numa coreografia de gestos que imitava a aerodinâmica de um supersónico escalador de montanhas. Para um observador externo, seria difícil perceber se era o surfista que buscava a onda ou se o inverso se passava; mas, na verdade, era o surfista quem imprimia no mundo o seu desejo. Todavia, a dada altura a onda ultrapassava a velocidade do surfista e a consideração anterior perdia toda a sua pertinência. Seguia-se o momento, na verdade um instante, em que na mole de água se precipitava num profundo abismo e, para o surfista, era mister passar velozmente da posição horizontal à vertical, sem perturbar o equilíbrio da prancha e a leitura exata dos desmandos da onda. Era uma tarefa de extrema precisão e, por essa razão, só poderia ser competentemente concretizada de modo inconsciente.
Na grande maioria das vezes, a força centrífuga levava a melhor sobre a agilidade dos seus movimentos e ele tombava e era puxado para dentro da onda, onde entrevia a sua morte. Submerso, enquanto o seu corpo era sacudido num longo e demorado remoinho e o regresso à superfície incerto, refletia sobre o seu projeto aventureiro de caçador de ondas e este parecia-lhe absurdo e destinado ao fracasso. Porém, nas poucas vezes em que conseguia manter o equilíbrio sobre a prancha nesse instante determinante, enquanto o corpo da onda crescia atrás dele, sofria uma transformação total e experimentava uma confiança extraordinária. Durante os escassos minutos que a onda durava, era internamente a própria onda: a sua força, o seu peso, a sua velocidade e extensão, bem como a sua líquida e curvilínea forma. Cada onda materializava uma realização existencial única e alheia à trama da repetição, que associava à vida em terra, e que, mais do que a visão da onda, constituía o principal motor da sua busca.
D.