Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Primeira memória

Uma ponte arqueada sobre um parque e algo que eu queria muito.

Uma imagem de postal de uma ponte de traves, em arco, sobre um lago pequeno, com uns cisnes e uns patos. Uma noite ou uma tarde de Inverno, com cedros do líbano e tílias ao fundo, por trás da ponte, que não está tão longe assim. Um ruído de cascalho bem comportado debaixo dos pés com botas ortopédicas, e uma mão que me puxa, gentilmente. Muita roupa que me arqueia as pernas ainda mais, talvez porque esteja frio. Estou confortável excepto pela sensação de que há algo que eu não tenho e quero muito. O objecto do desidério: umas calças vermelhas com joelheiras, das quais não me lembro mas que, parecidas com as que tive por volta dos 11 anos, levaram a que a história desse passeio no parque me fosse contada, uma eternidade depois.

A.