Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

A ala chinesa (I): notas para um retrato de Jie Chen

Desde setembro que o espaço sonoro da sala de doutorandos – cognominada o Aquário pelo staff académico –, passou a ser dominado pelo mandarim. Proeminente nesta reconfiguração da geoestratégica  do Aquário tem sido a presença contínua e incansável de Jie Chen. Este rapaz, que se senta à minha esquerda a uma distância excessivamente curta, estuda finanças e vem de uma cidade próxima de Xangai, cujo nome é impronunciável, e que alberga cerca de uma dezena de milhões de habitantes. De postura tranquila, Jie Chen apresenta uma tez de um amarelo inverosímil, que combina, de uma maneira muito especial, com a sua indumentária – Jin veste, invariavelmente, um fato-de-treino preto, cuja textura é semelhante ao veludo, decorado, a cor dourada, pelas famosas três linhas paralelas e a flor geométrica da Adidas. O resto do seu uniforme é composto por um colete de penas, também preto, e um par de sapatilhas negras da Reebok.

Apesar de todas as diferenças e de uma certa repulsa em relação a alguns dos seus comportamentos (sobre os quais escreverei noutra oportunidade), ficámos amigos. Entre outras coisas, fiquei a saber que pedala cerca de 40 minutos para chegar ao departamento. Com raras exceções, toma o pequeno-almoço, almoça e lancha na mesa de trabalho, contígua à minha, o que me permite escutar com pormenor e observar microscopicamente os rituais, bem como o conteúdo, das suas refeições.

Atingiu a notoriedade entre os estudantes de doutoramento por envergar, em dias chuvosos, uma capa amarela que o assemelha a um agente de segurança pública após uma catástrofe (para quem viu Aprile, de Nanni Moretti, as semelhanças são extraordinárias). A minha impressão é que tem grande orgulho nesta capa, pois esta protege-o de potenciais abalroamentos de automobilistas e de transeuntes alcoolizados, tão comuns nas vias públicas de Bedminster.

Por duas vezes desde o início do ano sucedeu despedir-me de Jie por volta das oito da noite e, ao cumprimentá-lo no dia seguinte, por volta das oito horas, adverti-lo, perplexo, do cedo que havia começado nesse dia. Respondeu-me, de forma seca: «Na verdade, não cheguei a levantar-me da cadeira». Ou seja, 我沒有離開我的椅子.

(continua)

D.