Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Versus

Da memória auditiva constituída na minha segunda visita a exposição "Fruto Estranho"de Nuno Ramos no MAM Rio
Farias o mesmo por mim, cachorro? Pegarias o meu corpo, o levarias para um baldio com frutas de mamona espalhadas pelo chão, colocarias dois enormes girassóis cuidadosamente sobre os meus olhos e botarias fogo? Espalharias depois minhas cinzas, como eu fiz? E quando parentes e amigos viessem reclamar meu corpo, que nome me darias, cachorro? Qual o meu nome cachorro?

Do texto original encontrado no livro do artista "Ensaio Geral", 2007, adquirido na loja do MAM Rio na altura da primeira visita a exposição
Cachorro, você faria o mesmo? Faria o mesmo que eu fiz? Faria o mesmo por mim? Incendiaria meu corpo num barranco, num chão com folhas de mamona? Cobriria meus olhos com dois girassóis enormes e botaria fogo? Colheria as minhas cinzas cuidadosamente? Cachorro? E quando reclamassem meu corpo, a família e os amigos enlutados reclamassem meu corpo, como descobriria meu nome? Que nome daria a eles? Que nome você daria? Qual o meu nome, cachorro?

A.