Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Notas de uma Bienal

O MOVIMENTO DE RENASCIMENTO JUDEU NA POLÔNIA
UM MANIFESTO

Queremos voltar!
Não para Uganda, nem para a Argentina, Síria ou Madagáscar. Nem mesmo à Palestina.
Queremos a Europa, terra de nossos pais e antepassados. Na vida real e nos sonhos, continuamos com a Polônia em mente.
As praças em Varsóvia, Lodz e Cracóvia devem ser preenchidas com novos moradores. Assim como há décadas, queremos mias uma vez nos fixar em uma terra onde ninguém nos espera.
Queremos curar nosso trauma mútuo de uma vez por todas.
Acreditamos que somos predestinados a morar aqui, criar nossas famílias aqui, morrer e enterrar os restos de nossos mortos aqui.
Estamos exumando o fantasma do sionismo. Voltamos ao passado – ao mundo imaginário da imigração, dos deslocamentos políticos e geográficos, à desintegração da realidade como a conhecemos.
Esta é a resposta que propomos em tempos de crise, quando a fé se esvaziou e velhas utopias falharam. O otimismo está se esgotando. O paraíso prometido foi privatizado. As maçãs e as melancias dos kibbutz não estão mais tão maduras.
Você pode perguntar: por que reabrir antigas feridas, por que exorcizar antigos demônios?
Respondemos: para que possamos passar adiante nossa história comum e permanentemente reescrita.
Damos as boas vindas aos novos colonos, cuja presença pode ser a personificação da nossa fantasia de uma história paralela. Estamos encarando um dos muitos potenciais futuros que possamos experimentar, deixando para trás nosso mundo seguro, familiar e unidimensional. Devemos expulsar quaisquer sentimentos de culpa. Seremos colonos, não ocupantes. Novatos, esperamos por vocês.
Direcionamos nosso apelo não somente aos judeus. Aceitamos no nosso grupo todas as pessoas que não encontram lugar em sua terra natal – os excluídos e perseguidos. Não haverá discriminação no nosso movimento. Não vamos nos intrometer nas suas histórias de vida, ou checar seu histórico de residência, nem seu status de refugiado. Deveremos ser fortes na nossa fraqueza.
Nossos irmãs e irmãos poloneses!
Talvez esse retorno nem sempre seja uma volta distinta ou vitoriosa. Como vocês, estamos repletos de dúvida e hesitação.
Não planejamos uma invasão, mas deveremos sim chegar como chega uma procissão de fantasmas de seus vizinhos, que o assombram em seu sonho, vizinhos que você nunca esperou ver de novo, ou nunca teve a chance de encontrar.
Devemos deixar claras todas as coisas perversas que aconteceram entre nós.
Queremos corrigir as páginas de uma história, que quase nunca tomou o rumo esperado. Dar as boas vindas a nós de braços abertos. Acreditamos na nossa capacidade de governar nossas cidades, trabalhar na nossa terra e criar nossos filhos juntos.
Com uma religião, não podemos ouvir.
Com uma cor, não podemos ver.
Com uma cultura, não podemos sentir.
Junte-se a nós.

Movimento de Renascimento Judeu na Polônia
Ruch Zydowskiego Odrodzenia w Polsce

(Este texto, mal escrito e bem intencionado, é uma obra de arte apresentada na Bienal de São Paulo 2010)