Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Je ne suis pas catholique

Pela sua riqueza, complexidade e sofisticação, o cinema de Éric Rhomer asfixia num breve hausto as ocasionais chamas interpretativas. Contudo, existem momentos deste cinema que são de uma qualidade tão superior e, ao mesmo tempo, de tão cristalina significação, que permitem emitir uma segura (porém desambiciosa) nota.

Um exemplo deste jaez é a cena de Ma nuit chez Maud, em que, em conversa com colegas de trabalho, Jean-Louis diz, num sorriso tranquilo e ingénuo a um tempo: "Oui, je suis catholique". Esta tranquila indicação de pertença à família católica carrega em si de forma precisa o significado ontológico da condição católica: uma iluminação, uma certeza interior, dita num misto de humildade e alegria.

Nos dias que correm, a questão «Et vous, vous êtes catholique?» só aparece enquanto item dum inquérito sobre comportamentos, a par da inquirição sobre filiação a um clube, clã ou associação. No entanto, parece-me que o catolicismo, mesmo nos dias de hoje, continua a ser um marcador ontológico fundamental.

Conheço imensos católicos...

Se estiverem (como eu estou) com saudades do João Bénard da Costa, leiam o seu «Nós, Os vencidos do catolicismo» e fiquem a conhecer um pouco melhor a história do catolicismo nacional do século XX e, sobretudo, daqueles católicos que foram os nossos. Isto vivido na primeira pessoa e contado com a generosidade inesgotável de uma das mais extraordinárias personagens da aventura inteletual do século passado português.

D.