Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Do Azul a Vermelho e de volta, da Fraternidade a Liberdade

A performance art, afirmada pela interação viva de um artista com um público, tem evoluído no sentido de se tornar, cada vez mais, um exercício de reflexão dual. As dicotomias aparentemente simples - emocional/intelectual, interativa/autónoma, abstracta/representativa e conjunta/individual, dos exercícios iniciais de Yves Klein ou Robert Rauschenberg dos anos 60, estão ainda presentes, tal como tem sido visto na excelente, porém concentrada, programação da Galeria Vermelho, na Rua das Minas Gerais.

A performance art, que partiu da expressão nos limites da arte assiste, hoje, a decadência desse traço definidor. O limite da arte não existe e sua amiga, a crítica, está morta. Em uma profusão de temas impossíveis de mapear, conseguimos, olhando com muita atenção, acreditar que a (boa) performance partilha sempre de um espírito de reflexão. Essa reflexão ocorre no espectador por impacto dos mídia utilizados.

Esse poder e essa amplitude de alcance é testemunha da natureza diletante, aventureira e geek da performance art. Sendo conteúdo de artes que ela contém, a performance acompanha as influências exógenas de cada epóca como nenhuma outra. É crítica e adepta e reage rapidamente. Talvez porque o corpo do artista e o espírito do artista são o artista, e se o espírito do artista sente então o mídia mais reactivo é o corpo do artista.

A performance resultado de uma reflexão sobre a reação do corpo ao impulso do espírito, projetada e arquitetada para que ocorra no espectador é uma expressão de arte pouco original. Mas hoje a performance tem um poder único.

Na democracia da arte, na omnipresença do pop, o impacto e o desafio precisam ser concentrados. Cada obra tem 15 segundos da atenção do espectador. Cada vez mais, apenas a performance, pela riqueza de seus midia, alcança envolver o espectador na reflexão/catarse necessárias à experiência da arte.

No momento em que a arte se quer de banda larga a performance enfrenta suas limitações, a experiência da arte limitada a uma sala é limitada em si mesmo. Será que a sua afirmação como arte de primeira linha, ao acesso de todos e por isso com poder transformador, poderá acontecer de forma mais direta do que vem acontecendo? Será que os mídia da performance são já outras técnicas, que assistem complementarmente o artista, no seguimento do seu trabalho inicial? Da descodificação mais natural e do teste ao espectador o artista parte então para uma amplitude de impacto que apenas outras técnicas alcançam?

Nesse caso cada performance é um momento seminal do próprio processo de criação do artista. Embora um produto acabado em si mesmo, no sentido em que é único, site-specific ou não, a performance liberta impulsos criadores e é por isso a grande fecundadora entre as artes.

Se a disposição de 'todos somos artistas' se alarga, como impedir então que a performance se transforme em um grande programa do Youtube? E será que queremos impedir isso? E será que as outras técnicas artísticas conjugadas com a nova comunicação, o hipermídia, terão efetivo poder de transformação? Como captar a atenção sem grotesco, sem violência, sem espiritualismo?

A.