Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Vocação, por Agustina Bessa-Luís

No inquietante interstício da conclusão do primeiro volume da saga Rabbit (Rabbit, Run) e o início do segundo (Rabbit Redux), de John Updike, dediquei as minhas horas de leitura a umas largas dezenas de entradas do Dicionário Imperfeito, de Agustina Bessa-Luís.

Sendo que todas são como que pequenas pedras preciosas que a escritora foi largando ao longo do seu fascinante caminho de romancista, e onde os traços mais marcantes do seu génio estão bem presentes (o humor, a generosidade, a acutilância, a erudição etc.), a última entrada é deveras desconcertante. Ora leiam.

Eu tenho só uma [vocação], que é escrever. Usar a palavra, dar-lhe vida, confiar nela para que nela vejam verdades poderosas, como a de sermos destinados a coisas maravilhosas. Falar no maravilhoso, hoje em dia, é um risco muito grande. Que digo eu? Um risco, não; uma espécie de loucura. Sejamos loucos quando os sensatos falham, e vamos pensando como encarar o maravilhoso.

D.