Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Fantasia do dia

Ter uma pica musical. Encostar-me para trás na cadeira, esticar as pernas, mão esquerda na algibeira. Forçando um pouco a costura a mão relaxa sobre a perna. Dedo anelar e médio garantem estabilidade enquanto o indicador e o polegar puxam-me a pixa. Quatro movimentos, sequência de flexão e relaxamento. Um tilt no joelho esquerdo. Eis a música.

Começa lenta, sempre. Não a conheço até começar mas a partir dos primeiros acordes é fácil antecipar a sequência da vez. Não há que enganar - mais sentimental segue uma Quarta, mais dramática uma Carmen, mais  aventureira uma Valquíria, mais introspectiva uma Primavera Sagrada, mais esquisita um Bolero do Ravel. Não sei como a minha picha consegue mas à primeira pergunta de "estás a ouvir esta música", segue-se sempre uma aprovação, um "que linda", "que momento mágico"...

A partir daí, a música é outra.

A.