Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.
Erupção Kriminal
Uma das melhores descobertas que fiz este ano (2012) foi o álbum Árvore Kriminal, do Allen Haloween, um artista tuga com medúla óssea. A dureza da experiência das segundas e terceiras gerações da emigração africana no subúrbio lisboeta plasmada em letras verdadeiras, imaginativas, incendiárias, profundas: Portugal, este teu jardim implantado à beira-mar/ nasceram morangos e floribelas na campa de Salazar. Enquanto no céu o sol brilhar, nós temos que estar felizes por ainda estarmos cá; Como um soldado, nigas nunca saem lá do bairro/ Sentados no muro a fazer fumo o dia todo, mano/ Como se o mundo acabasse em Santo Adrião/ Fumam o futuro até ao cartão; Se alguma coisa me comprometa/ eu tenho a minha alma negra/ grande demais para qualquer algema etc. etc.
Odivelas está no mapa, é só escutar.
A fotografia é da Vera Marmelo, cujo trabalho de documentação fotográfica da nova geração de músicos portugueses é inestimável e de enorme qualidade. Obrigado.
D.