Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Noturno

Estou na estação. Neste canto as luzes estão fundidas, menos duas que piscam. A plataforma está deserta e eu olho as manchas de óleo no chão. Fecho os olhos e sinto.

O vento quente sopra de onde vai chegar o último metro da noite. Atrás de mim, na parede, escorre água e eu não quero ver a cara da Júlia “não és tu que eu quero para mim”.  A cada vez sinto a mesma dor como se fosse nova. Sinto os pulsos e as veias dos braços como se estivessem coladas aos ombros.

Os olhos ardem-me. Porque não durmo. Ou as luzes brancas e o computador. Ou o choro. A Júlia. Os olhos ardem-me.

A.