Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Em resposta a uma difícil questão de T.

Já estou a a ficar velho, ainda que tenha
esta figura fixa sem idade, 
e me mantenha em forma o aparelho
a que todos aqui somos sujeitos;
(...)
Mas eu bem sei sentir além da aparência,
e já me aconteceu, ao visitar o canto
onde o mundo se acaba em chão de areia,
ali ver o meu fim anunciado.
Quando em tranquilo pouso assim medito
peso, e calculo tudo aquilo
que não fiz, e não tive, e não alcanço
com o rosto extravagante que me deram.
(...)
Mas não sei do que valha imaginar 
um outro ser incólume e perfeito
que da minha substância seja feito
e tome, noutro mundo, o meu lugar;
se me não lembra, como serei eu?
Se for quem sou, ainda que mude a capa,
há-de voltar aqui, onde hoje estou,
viver o mesmo instante, e ver
escapar-lhe das mãos o que me escapa;
veloz embora, e exímio no salto,
o que hoje perco, há-de então perdê-lo,
e faltar-lhe outra vez o que me falta.

in ARACNE, de A.F.A.

D.

p.s. 1 - Algures no meu aparelho digestivo-instestinal ainda se combate a superconsistência daquelas poderosas natas.

p.s. 2 - Neste livro um aracnídeo nota o hieratismo de uma louva-a-deus, mas, o que me parece indesculpável à luz do meu breve conhecimento das outras ordens de seres vivos, omite a majestade imperturbada do sapo alentejano. ROMÁ!