Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

Próxima Paragem: Brasília – Distrito Federal

'Próxima Paragem: Brasília', a Vision by Seth Solo

‘Próxima Paragem’ é um trabalho em curso. Seth Solo quer fotografar o Brasil inteiro e seus cidadãos. Não porque lhe interesse constituir mais um catálogo de gentes e paisagens ou de curiosidades e enormes diferenças. Seth quer descobrir a linha de significados que delimitam e definem o Brasil como nação.

Abençoado pela sua imagem internacional de país tropical e carnavalesco, origem do bossa nova e da caipirinha, da Gisele Bundchen, da favela e do político suspeito, o Brasil não se respeita na sua diversidade, justiça e beleza intrínsecas. Seth trouxe essa certeza da sua primeira viagem ao Brasil, em que esteve em quase todos os estados. Dos pólos industriais do Sul à natureza tropical do Norte, das imensidões dos sertões no planalto central ao azul profundo das montanhas e lagos do interior do Rio de Janeiro, das vinhas do Rio Grande do Sul à imensa selva amazónica, existe, é tangível, uma poética brasileira que tudo une, algo como um fado violento e alegre, um fluxo de entendimento surdo, atemporal. Algo que está nos problemas sociais, nas desigualdades e conflitos, que está na rua e na casa de todos os brasileiros, que se vê nos olhos da pessoa simples, do ‘fashionista’ de São Paulo e do surfista carioca. Algo que não está nas etnias, tão pouco nos bairros ou nas contas bancárias.

- ‘Talvez seja o samba?’, já perguntaram a Seth Solo. - ‘Não’, ouvi-o responder, - ‘Seria preciso destilar o samba e o frevo, e todas as variantes, com o rock de Renato Russo e de Cazuza e mais todos os sons dos tropicalistas, com Os Mutantes e o mangue-beat, o aché e o funk carioca, e reduzir tudo isso a uma nota apenas, tocada na guitarra do Chico Saraiva e cantada pela Maria Gadu, para termos uma ideia, apenas sonora, daquilo que eu estou a tentar fotografar.’

O projecto “Próxima Paragem:”, baseia-se na procura da síntese da identidade e da energia brasileiras e questiona toda a sua presente objectividade imagética, propondo uma revisão profunda dos seus arquétipos. Com a flexibilidade de uma linguagem indefinida, entre o documentário e o retrato, não abrindo mão de suas composições, Seth tenta centrar a sua pesquisa no campo da poesia latente, decifrando-a em imagens.

Um processo de apreensão e depuração como o que o que Seth procura consome tempo, tempo valioso ao mapeamento do fluxo brasileiro.

Seth comporá um painel da diversidade dos temas brasileiros, atualizando a tradição de Vérger e de Maureen Bisiliat, centrando-a no urbano. Desse amplo painel será composta uma nova série, de um discurso único sobre o fluxo de poesia e energia do Brasil.

A série agora apresentada refere-se apenas ao ponto de entrada de Seth no país, Brasília. Essa sessão deu resultado a uma colecção de 211 fotografias sem ajustes e sem manipulação digital, tiradas num percurso único que atravessa a cidade de uma ponta à outra, pelos seus pontos-chave. A escrita fotográfica resultante é fluida e real, não perfeccionista, adequada ao que é observado. Essa colecção foi depois resumida em uma série de 30, a que podemos ver aqui. Nesse processo Seth elegeu e eliminou com base na proximidade e presença do fluxo, da tal energia brasileira.

E Brasília mostrou ser não as grandes obras públicas, a arquitetura de Niemeyer e o sonho de Kubitscek. Mais que tudo isso, pela sua gente, Brasília mostrou ser a cidade índex de todo o Brasil. A horizontalidade do planalto central se espelha na cidade e nas pessoas. As vastas distâncias, os pontos de fuga, certa alienação e cansaço.

As 30 fotografias têm por base um circuito não planeado na cidade. Construída na década de 40 a cidade tem hoje mais do dobro dos habitantes que o seu plano em forma de avião permitiria. Com a sua arquitectura Niemeyer, na tradição Corbusier, é prepotente e imensa. Seth reflecte a espera dos cidadãos trabalhadores na sua migração diária pelos grandes espaços de Brasília, nas imagens das filas dos transportes públicos e das estradas. Mostra o descontrole de incêndios que circundam a cidade após 5 meses de seca prolongada. Os desgovernados investimentos imobiliários nos limites da cidade. A ocupação temporária e o trabalho nas campanhas eleitorais próximas. A arte de rua. O entendimento de Brasília, integral.

Seth Solo continua a sua viagem em busca de novas imagens.

Sinopse

“Próxima Paragem: Brasília – Distrito Federal – 06/09/2010”
- ‘Talvez seja o samba?’, já perguntaram a Seth Solo. - ‘Não’, ouvi-o responder, - ‘Seria preciso destilar o samba e o frevo, e todas as variantes, com o rock de Renato Russo e de Cazuza e mais todos os sons dos tropicalistas, com Os Mutantes e o mangue-beat, o aché e o funk carioca, e reduzir tudo isso a uma nota apenas, tocada na guitarra do Chico Saraiva e cantada pela Maria Gadú, para termos uma ideia, apenas sonora, daquilo que eu estou a tentar fotografar.’

Ficha técnica

Fotógrafo: Seth Solo
Motorista/Assistente: Luisa Kraemer
Memória Descritiva: André Nogueira
Produção: Seth Solo
Conceito da produção: Seth Solo
Localização da produção: Brasília, Distrito Federal, Brasil
Ano: 2010



A.