Vários aspectos das suas vidas se associavam à cor azul. Para começar, o fumo denso que, como serpentes, subia dos seus cigarros para o tecto da divisão da casa. Depois, vários indícios foram lentamente emergindo, como bolhas de ar num denso molho em preparação. Primo, a melodia que A. escutava na telefonia. Secundo, o mostrador do relógio de pulso que T. acabava de estrear. Tertio, a face estupefacta de D. Na manhã seguinte as autoridades punham em curso uma nova investigação.

As plantas cá de casa

Reparei há poucos dias num bambu novo. Não há nada de especial num bambu novo exceto, talvez, a penugem fresca que recobre o tronco, uns micro pêlos transparentes sobre o verde luminoso, com maior densidade junto às dobras de cada novo segmento. Os bambus velhos não têm essa penugem.

Este bambu em especial surpreende por ter nascido sem que eu o visse. No dia da descoberta tinha quase a altura do seu único companheiro no vaso lá fora.

Enquanto escrevo comparo-lhe a altura de hoje contra a de ontem. Uso como referência a churrasqueira próxima, monólito que não está entre os piores do seu género - o que, decerto toda a gente concordará comigo, é apaziguador.

Diria que este bambu cresce uns 5 centímetros por dia, o que não faço ideia se é uma boa taxa de crescimento entre bambus pois não entendo nada de bambus. Talvez a humidade de agora, que só abranda após a ritual chuva diária, o beneficie.

Reparo agora na ligeira inclinação que a base do seu tronco está a adquirir. Não sei precisar se copia a forma do seu companheiro, um bambu mossô, artificialmente torto, ou se se inclina contra a constância da nortada nesta altura do ano, como um habitante da planície que caminha contra o vento.

Perto do bambu, mais próximo da churrasqueira, há uma palma de leque. Esta palma de leque também não tem nada de especial, exceto pela sua capacidade camaleónica. Todas as suas folhas maiores, mais periféricas, são do amarelo exato das paredes do terraço. Novas folhas nascem no centro do vaso, um verde brilhante que passa gradualmente a um verde pálido e depois ao amarelo torrado. É talvez uma planta doente mas eu prefiro chamar-lhe simpática ou camaleónica.

O vaso à esquerda do bambu tem um arbusto não identificado, de porte médio, que é estranho. Ramos alongados que se distanciam do tronco e que dão folhas só no seu final. Parece uma planta que está a fugir de si mesma.

No fim de semana passado plantaram-se algumas flores no mesmo vaso. Não sei se é das flores mas reparo agora em alguns ramos novos, já com folhas que estão a nascer próximos do tronco. Um desses brotos tem flor. Talvez em breve se consiga entender que espécie é.

Lá fora está também a apelidada 'Amazónia'. Assim chamada porque noutros tempos era um arbusto com um crescimento digno de um bambu e uma fúria de vida evidente. Uma dessas plantas a que só faltam dentes.

Lembro-me vagamente de ter sido trocada de lugar. Hoje, não sei se pelo vento se pela estranheza dos arredores, parece um bonsai. Folhas mínimas em ramos quebradiços. É uma planta talvez invejosa, talvez deprimida.

Essa planta está ladeada por outras duas que, vejo agora, já tiveram dias melhores. Uma de cores pintalgadas, outras de um verde muito vivo. Talvez a vinhança não seja a melhor, talvez o vento as esteja a prejudicar.

Julgo entender que a folha é um mecanismo de expôr moléculas de água, captadas pela planta, aos neutrões solares. Essa exposição faz com que a água se divida em oxigénio, que é libertado, e em hidrógenio que, em reação com o dióxido de carbono atmósférico e os sais minerais transportados em conjunto com a água, cria açucares, base da dieta da planta.

Por isso acredito que o vento, como numa toalha molhada que ao vento seca rapidamente, está a prejudicar as plantas com mais folhas não deixando que a água seja decomposta de forma eficiente. Está na hora de fazer algumas mudanças.

A.