Fui pedir uns copos e encontrei por acaso uns amigos de outras andanças numa mesa animada. A Jane, atraída pela tua miserável condição, foi, disse-me ela, falar-te com timidez. Durante a cena insuportável que agora recordo da Jane a soluçar os acontecimentos, perguntei-me se ela te odiava a ti ou a ela mesma. Mas não te faço esta confissão porque te queira mal, pois foste, na verdade, o meu único irmão, o meu assassino. Quando ela se abeirou de ti, perguntaste-lhe de chofre se ela te acompanhava num chá no teu apartamento. Precisavas de conversar com ela tranquilamente. Ela disse-me que assim que te ouviu soube de imediato (um jacto de adrenalina rebentava-lhe adentro o peito) que iria aonde tu estivesses disposto a ir.
Imagino os teus sentimentos durante os meses que durou a vossa relação, nos pensamentos que te corroíam enquanto lhe ministravas o teu pouco amor. Nunca a quiseste verdadeiramente. Para ti, tratava-se de provar a intrínseca maldade inconsolável do mundo. Ao teu lado, quando partiste, apenas o teu famoso impermeável azul. A ela deixaste-lhe a incompreensão envolta numa madeixa do teu cabelo preto. Mas, no fundo, agradeço-te, River. Todas as manhãs em que fingi ignorar a turvação funda que jazia nos olhos dela, o sentido de todas essas manhãs convergiu para aquela noite, cristalino na facilidade com que a fizeste tua e lhe envenenaste o coração. Eu que julgava que essa turvação era ela mesma, e o sentido do meu amor por ela o facto de eu a conseguir perdoar. Esta é a confissão que te deixo.
Quero terminar esta carta sem mágoa, River. Por isso digo-te com franqueza que, se algum dia apareceres por cá, para me visitar a mim ou à Jane, não desanimes, pois o teu inimigo dorme e a minha mulher é ainda de ninguém.
O teu sincero,
L. Cohen
D.