Vai já bastante tardia a noite. São, talvez, 4 horas da manhã. Lá fora escorre uma chuva densa, a água desce num manto chuvoso, sacudida pela força irregular do vento. As ruas estão certamente desertas e os néons publicitários nas fachadas dos edifícios principais são a única luz que ilumina a cidade vazia. As pessoas dormem. Nenhuma luz além da minha permanece acesa a esta hora tardia. O frio e a chuva são talvez o reverso do calor acolhedor e ameno que me abraça no meu apartamento. É um calor finalmente humano o que me envolve aqui dentro, sentado à secretária, vendo a chuva cair do céu alto dos arranha-céus.
Sabes, nunca soube ao certo se o dia de escrever esta carta iria chegar, depois do que se passou naquela noite. Vendo bem as coisas, estou em Nova Iorque há mais de dois anos; sereno e quieto, levando uma vida que me deixa enfim tranquilizado. Gozo finalmente dum prazer que nunca antes penso ter gozado: chegar a casa e conviver tranquilamente comigo mesmo, sem que o ódio de mim e dos outros me consuma. Nos dias da semana desço toda a extensão da rua até ao café de esquina onde tomo o pequeno-almoço. Troco conversas amigáveis com os outros clientes; o proprietário sabe o meu nome, bem como o que desejo comer ou os jornais que leio por essa hora matutina. Essa paz, que vem não sei de onde, que agora me habita, é talvez o contrário do silêncio vazio, do buraco oco em que aqueles acontecimentos me precipitaram. Acredita que também para mim é estranho o impulso que me impele a escrever-te, a ti que afinal foste o meu inimigo, o meu assassino.
Sabes, a última vez que soube notícias tuas foi quando, numa noite tão chuvosa e escura como esta, a Jane aqui passou. Tinham então passado talvez 6 meses desde aquela noite. Não a esperava assim junto à porta do meu apartamento: o casaco de lã cinzento apertado pela cintura, as calças de ganga deslavadas com a bainha dobrada para fora, a t-shirt branca, os ténis ensopados pela chuva. A imagem dela assemelhava-se às que costumava guardar nos sábados que havíamos passados juntos, em que a via passar assim vestida entre as divisões na azáfama doméstica – a arrumar as roupas dispersas pelo apartamento, a correr as persianas das janelas, a ordenar a cozinha, a arejar a roupa da cama... Durante aqueles primeiros instantes – ela prostrada no umbral de olhos fixos no chão – não dissemos nada. Eu porque, na verdade, nada tinha para lhe dizer; ela talvez não encontrasse nela mesma as forças para vencer a vergonha de se arrepender. Depois a Jane entrou, dirigiu-se lentamente para a cozinha. Quando ela finalmente falou, disse-me, secamente, que tu lhe disseras que decidiras partir de vez. Eu perguntei-me – ainda me pergunto –, … se partiste de vez?...
Sabes, nunca soube ao certo se o dia de escrever esta carta iria chegar, depois do que se passou naquela noite. Vendo bem as coisas, estou em Nova Iorque há mais de dois anos; sereno e quieto, levando uma vida que me deixa enfim tranquilizado. Gozo finalmente dum prazer que nunca antes penso ter gozado: chegar a casa e conviver tranquilamente comigo mesmo, sem que o ódio de mim e dos outros me consuma. Nos dias da semana desço toda a extensão da rua até ao café de esquina onde tomo o pequeno-almoço. Troco conversas amigáveis com os outros clientes; o proprietário sabe o meu nome, bem como o que desejo comer ou os jornais que leio por essa hora matutina. Essa paz, que vem não sei de onde, que agora me habita, é talvez o contrário do silêncio vazio, do buraco oco em que aqueles acontecimentos me precipitaram. Acredita que também para mim é estranho o impulso que me impele a escrever-te, a ti que afinal foste o meu inimigo, o meu assassino.
Sabes, a última vez que soube notícias tuas foi quando, numa noite tão chuvosa e escura como esta, a Jane aqui passou. Tinham então passado talvez 6 meses desde aquela noite. Não a esperava assim junto à porta do meu apartamento: o casaco de lã cinzento apertado pela cintura, as calças de ganga deslavadas com a bainha dobrada para fora, a t-shirt branca, os ténis ensopados pela chuva. A imagem dela assemelhava-se às que costumava guardar nos sábados que havíamos passados juntos, em que a via passar assim vestida entre as divisões na azáfama doméstica – a arrumar as roupas dispersas pelo apartamento, a correr as persianas das janelas, a ordenar a cozinha, a arejar a roupa da cama... Durante aqueles primeiros instantes – ela prostrada no umbral de olhos fixos no chão – não dissemos nada. Eu porque, na verdade, nada tinha para lhe dizer; ela talvez não encontrasse nela mesma as forças para vencer a vergonha de se arrepender. Depois a Jane entrou, dirigiu-se lentamente para a cozinha. Quando ela finalmente falou, disse-me, secamente, que tu lhe disseras que decidiras partir de vez. Eu perguntei-me – ainda me pergunto –, … se partiste de vez?...