A Jane colocou a mão sobre o tampo da mesa e, quando a abriu, desvendou uma madeixa do teu cabelo encaracolado, negro e denso. Aquela revelação, da madeixa que tu lhe entregaras, era a um tempo um salvo-conduto e uma sentença. Nos seus olhos aguados brilhava ainda a imagem da tua partida na gare de comboios. Do mesmo modo que a tomaras entre os teus braços, disseras-lhe apenas que precisavas de desaparecer, dali, da cidade. Que dentro de ti havia uma liberdade que aspirava a um céu só existente no deserto da mais plena solidão. Enquanto escutava as palavras dela, apercebi-me sem a menor piedade que a Jane não conseguiria nunca compreender o teu desejo absurdo de liberdade, a tua recusa em falsear o teu coração. A Jane, como a maioria das mulheres, não sabe, não acredita no desejo da morte, no ódio da fraqueza, no desprezo infinito que pode assolar o coração de um homem. Na tua mão, disse ela, seguravas o teu famoso impermeável azul…
(Espero que te estejas a aguentar na tua casa no meio do deserto. Vais guardando memórias do que vives, ou calaste-te para sempre?)
Na pausa que faço para acender um cigarro, vejo ainda nítida a imagem da Jane, sentada na cadeira encostada ao balcão da cozinha: descalça, os calcanhares junto às nádegas, o tronco mole, pesado, curvado sobre as pernas e as mãos agarradas pelas canelas. O rosto magoado de uma criança, de perfil sobre os joelhos, os cabelos pendendo sobre as pernas. As palavras deixavam-lhe a boca como a uma criança depois de fazer uma maldade que só feriu a ela mesma.
